Matéria da revista Seleções – Publicada em abril de 1948

Trata-se, realmente, da túnica em que enterraram Cristo?

Existe ainda o Santo Sudário?

(Condensado da revista “Scientific American”)

Por Paul Vignon, professor de Biologia no Instituto Católico de Paris;

Secretário Geral das Comissões Francesa e Italiana da Mortalha Sacra

Depois de conhecer esta matéria, sua opinião sobre o Sudário não será a mesma.

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Numa deslumbrante capela adjacente à Catedral de Turim, na Itália, está exposto, em relicário, um lençol de linho que há séculos vem sendo venerado como a autêntica Mortalha de Cristo. Ao longo de seus quatro metros de comprimento, vêem-se duas impressões, de notável nitidez, representando a frente e as costas de um corpo humano. Acredita-se que tais marcas tenham sido produzidas pelo corpo de Cristo, que fora estendido sobre metade do pano; a outra metade teria sido dobrada, para cobri-lo da cabeça aos pés.

Muitos eruditos, não só católicos como de outros credos, vêm afirmando, há anos, que as figuras no Santo Sudário foram pintadas no século XIV. No entanto, a partir de 1931 duas Comissões – uma italiana e outra francesa – têm procedido a investigações científicas para verificar a autenticidade da relíquia. De tais inquéritos resultaram provas bastante convincentes de que as referidas figuras não foram pintadas, constituindo na verdade, impressões produzidas por um corpo humano devido a uma estranha coincidência de causas naturais; e, ainda segundo os aludidos estudiosos, esse corpo foi o de Jesus Cristo.

Ao fotografar-se, pela primeira vez, a Mortalha, verificou-se que os claros e escuros naquelas imagens estão invertidos, como no negativo de uma fotografia, isto é, na Mortalha aparecem claras as partes que normalmente se mostram escuras, quer na vida real quer nos quadros, como por exemplo as órbitas dos olhos ou o espaço entre as pernas estendidas. Quando se invertem novamente, pela fotografia, a luz e a sombra, o rosto se revela com impressionante majestade.

A imagem negativa só se tornou conhecida depois da invenção da fotografia no século XIX. É duvidoso que a qualquer artista anterior a essa época houvesse ocorrido pintar uma imagem negativa. De resto, as figuras constituem negativos exatíssimos, que nenhum artista, mesmo hoje, poderia reproduzir com tamanha precisão. Quando fotografadas, revelam, no filme, um homem adulto, retratado com a maior fidelidade e minúcia.

Após experiências no Laboratório da Sorbonne, a Comissão Francesa chegou à conclusão de que as figuras são, de fato, impressões diretas de um corpo humano, produzidas por causas químicas naturais: os vapores exalados do corpo reagiram quimicamente sobre o pano, causando manchas. A ação química foi mais intensa nos pontos em que o corpo estava bem perto da túnica, e mais ligeira nas concavidades e nos lados. Eis a razão pela qual as manchas são negativas, pois os pontos destacados do corpo produziram manchas mais escuras que as cavidades e depressões, fato esse que explica também as delicadas nuanças das impressões.

Auxiliado por um professor de física da Escola Politécnica, pude determinar a natureza dos vapores que haviam agido sobre o pano; eram exalações de amoníaco úmido, resultantes da fermentação de uréia, a qual é sempre excepcionalmente abundante na transpiração proveniente de torturas físicas. Sabendo que os antigos costumavam espalhar aloés em pó nas mortalhas para melhor preservá-las, descobrimos então que o aloés tornava o linho quimicamente sensível à ação de vapores de amônia, o que produz manchas pardas. Cheguei, aliás, a conseguir impressões semelhantes às da Mortalha, cobrindo, com panos preparados com aloés, figuras de gesso que haviam sido imersas numa solução de amônia.

Ficou também estabelecida a presença de partículas de sangue na Mortalha, tão bem conservadas que ainda mostram a composição do sangue.

O corpo que deixara tais impressões no Sudário era, evidentemente, o de um homem crucificado, pois as feridas se distinguiam com clareza. Muito curioso é o que se verifica na chaga da mão: ao contrário do que se depreende das imagens comuns, em que o prego atravessa a palma de uma mão crucificada, na verdade a perfuração do prego se deu justamente no ponto mais razoável do ponto de vista anatômico – a base do pulso. O homem, que essa Mortalha cobrira, fora flagelado e ferido na cabeça, como provam os fios de sangue e pequenas marcas à altura dos cílios, as quais poderiam ter sido motivadas por uma coroa de espinhos. Há, no lado direito, uma ferida semelhante à que uma lança causaria; e chagas produzidas por enorme prego, que atravessou ambos os pés de uma vez só. Segundo o Evangelho, sabemos que Cristo foi submetido a todos esses suplícios devido a circunstâncias excepcionais, e é bem pouco provável que houvessem infligido a outrem as mesmas torturas.

Não é difícil explicar como se preservou o pano, através de 19 séculos. Há linhos egípcios, de 3.000 anos, que parecem novos. Faltam-nos, porém, documentos históricos que nos permitam identificar este pano como a Mortalha de Cristo. Por considerações de prudência e discrição religiosa, não se lhe faz referência alguma nos primeiros séculos da era cristã, o que é assaz natural. Já nos séculos V e VII, porém, vamos encontrar alusões à Mortalha e mais tarde, com soluções de continuidade histórica, até 1355, ano em que surgiu em Lirey, na França, trazida por um cruzado, Lord Geoffrey I, de Charny. Daí em diante, sua história é nítida e contínua.

Mesmo, porém, na ausência de provas históricas integrais, há fortes indicações de que se trata, realmente, da Mortalha em que enterraram Cristo.

Acresce que os doutores de ambas as Comissões concordaram, após uma análise das manchas de sangue, em que, da chaga no lado do corpo, havia fluído soro além de sangue, prova de que Ele já morrera quando se Lhe produziu a ferida. Os Evangelhos dizem que Cristo estava morto havia uma hora quando o soldado Lhe traspassou o corpo com a lança – “e logo saiu sangue e água”.

Foi também excepcional a maneira por que se envolveu o corpo da mortalha. Além de cobrir o cadáver com uma mortalha, os antigos costumavam lavá-lo e untá-lo, para depois envolvê-lo em linho. No caso em apreço, o corpo foi simplesmente envolto no longo pano polvilhado de antemão com a usual mistura de aromas, inclusive aloés em pó, e, embora o cadáver estivesse coberto de suor e sangue, não foi lavado, nem de outro modo preparado, antes da inumação.

Foi isso, exatamente, que sucedeu com o corpo de Cristo. Foi posto no sepulcro envolto apenas “num pano limpo de linho”. E isso aconteceu porque ia iniciar-se o Sabá, ou Dia de Repouso, tornando assim necessário o adiamento dos rituais do enterro.

Por fim, o corpo não poderia ter ficado envolto na Mortalha durante o tempo suficiente para que a decomposição se adiantasse além da primeira fase, pois, de outra forma, as impressões teriam desaparecido. De novo vamos encontrar nos Evangelhos a confirmação de que isso ocorreu.

A despeito de certas dificuldades de natureza científica, ainda sem solução, estou convencido de que nossas averiguações no laboratório, guiadas pelo Evangelho, vêm confirmar a crença tradicional em torno das figuras que aparecem na Mortalha: que foi Cristo, realmente, quem deixou tais impressões no pano, num vivo registro do drama do Calvário, havendo sua verdadeira imagem permanecido oculta nas manchas até que a fotografia veio revelá-la ao mundo.

Os redatores de “Scientific American” investigaram as fontes de informação sobre o Santo Sudário, de maneira a convencer-se de que era justificada a publicação deste artigo. Mantêm-se porém neutros quanto à questão da autenticidade.

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