24.6.04
ENTREVISTA COM INRI CRISTO – PARTE 3
O Mestre pregava com fervor quando ainda era um simples profeta, sempre acompanhado por um copo de boa cerva para molhar as palavras
O MESTRE NOS REVELA O SEU DIFÍCIL COMEÇO, E A DUREZA QUE FOI CHEGAR DE SIMPLES PROFETA A FAMOSO MESSIAS. CONTA AINDA QUE O SEU LANÇAMENTO FOI ABORTADO PELO AZAR DE O “BONEQUINHO” SER DE FERRO, MUITO DURO DE QUEBRAR.
Pois é, meus caros. Ninguém começa como Messias. É preciso ralar muito até chegar no ápice da carreira de filho de Deus. O INRI mesmo começou lá de baixo.
Era como simples profeta que ele vaticinava acontecimentos mirabolantes, ao lado de uma garrafa de birita, nos bares em que militava – certamente o único ambiente que continha pessoas abertas e dotadas de bom senso suficiente ao entendimento de suas avançadas idéias.
Mas veio então a revelação, da parte do seu Pai: era preciso demonstrar a todos que ele era a reencarnação de Jesus, aquele mesmo lá da Galiléia. O Pai ordenou-lhe então que “fizesse uma revolução em Belém do Pará e arrancasse o bonequinho da cruz perante milhares de pessoas, rompendo definitivamente com a minha antiga Igreja”.
Mas tempos antes, o INRI confessa, ele já tentara fazer a revolução. No entanto, apesar de apoiado por mais de 3.000 pessoas, não pôde em Caxias do Sul quebrar o boneco: o miserável artesão que fez o ícone o construíra com ferro. Aí não deu pra quebrar o danado. “Serviu só de balão de ensaio, entendeu?” – explica o Mestre.
MS: Qual foi a sua intenção ao criar a SOUST, Suprema Ordem Universal da Santíssima Trindade?
INRI: Na verdade, não é intenção. Eu não escolhi fundar uma nova ordem religiosa. Eu não escolhi dizer que sou Cristo. E ninguém é obrigado a crer. Eu cumpro uma ordem divina. Então, a SOUST nasceu da santa cólera do meu Pai, ao ver que a minha Igreja anterior se prostituíra, se transformara na meretriz do Apocalipse 17.
Quando eu me chamava Jesus, eu disse assim: “Pedro, tu és pedra e sobre esta pedra eu edificarei a minha Igreja”, no singular. “Mas as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Agora as portas do Inferno estão prevalecendo sobre a minha Igreja: Inquisição, venda de indulgências, venda de sacramentos… Eu disse: “Ide, curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expeli demônios, dai de graça o que de graça recebestes” (Mateus, 10, versículo 8). Eles cobram para casar, para batizar e até para enterrar os chamados mortos.
Então meu Pai determinou que eu fizesse uma revolução em Belém do Pará e arrancasse o bonequinho da cruz perante milhares de pessoas, rompendo definitivamente com a minha antiga Igreja. Eu fui boicotado pela imprensa. Eu só fui mostrado sendo preso, mas tudo mais foi filmado. A revista Veja escreveu uma lacônica matéria, escrita por um free-lancer, e nunca me deu o direito de me expor. Apenas qualificou-me de louco. Eu fui submetido por conta desse ato, oficialmente, a um exame psiquiátrico, por uma junta psiquiátrica, nomeada pelo Dr. Jaime dos Santos Rocha, que afirmou que nem no dia do Juízo Final poderiam dar um diagnóstico, porque eu atuo numa outra esfera, e eles não me alcançam para me avaliar. Tudo isso aconteceu e ficou escondido.
Mas, respondendo à sua pergunta, o motivo pelo qual eu fundei a minha Igreja é este: por mais que eu seja desprezado, por mais que ignorem a minha Igreja, eu fiz a minha parte. Quanto ao desprezo, à reprovação que eu venho sofrendo há mais de vinte anos, isso está previsto. Em Lucas, capítulo 17, versículo 35, está escrito que eu seria rejeitado por minha geração antes do dia de glória do Senhor. Está escrito também no Apocalipse, capítulo 1, versículo 14, que, quando chegasse o dia de glória do Senhor, eu estaria de cabelos brancos. Por enquanto ainda não estou com os cabelos brancos. E eu não tenho pressa. Ninguém nasce de cabelo branco. Logo, tem que esperar o tempo passar.
MS: E por que o senhor escolheu Belém do Pará para este ato simbólico?
INRI: Falaste bem: o Senhor escolheu. Eu já tinha percorrido o Brasil todo. Estive em todas as capitais brasileiras, nas principais cidades; em São Paulo, na Praça da Sé, no Rio de Janeiro, na Cinelândia, em Copacabana, o Brasil todo. E Ele disse que eu voltasse a Belém do Pará. A última capital que eu visitei no Brasil foi Macapá. E quando eu estava lá, o Senhor disse: “tu voltas a Belém (eu já tinha estado lá em 1.981), que lá é que vai ser o palco da Revolução”. Porque até o nome combina, tem tudo a ver com o lugar onde eu haveria de renascer para humanidade, com um significado simbólico. Eu havia tentado praticar este ato em Caxias do Sul e ele foi abortado, porque o boneco era de ferro. Daí foi inútil, não deu pra fazer nada. E tinha 3 mil pessoas comigo lá. Serviu só de balão de ensaio, entendeu?
MS: Nós vimos muita gente acompanhando o senhor, tanto no ato de Belém do Pará quanto em procissões de que o senhor participa. Imaginamos, portanto, que essas pessoas sejam, digamos, seus seguidores. O senhor tem idéia de quantos seguidores o senhor tem hoje?
INRI: Eu não posso montar uma estatística. Primeiro, porque eu não cadastro as pessoas que vêm aqui. Segundo, porque, inclusive como testemunho da minha autenticidade e honestidade, eu tenho o tamanho da minha Igreja; eu sou o libertador, eu não cabresto ninguém. A pessoa vem aqui, toma a benção, arranja emprego se está desempregado e vai seguir a sua vida. Eu não obrigo ninguém a vir aqui, não cadastro. Só frequentam, no sábado, aqui, aqueles que deveras sabem quem sou. O restante vem e vai. Eu vejo nesses 20 e poucos anos que eu estou sediado aqui que vem muita gente, e tem muita gente que depois escreve de outro país, outra cidade, agradecendo, e seguem suas vidas. Uns entendem o significado da missão, outros não. Outras vêm até aqui pra tomar uma benção e depois vão agradecer a uma estátua. Eu não proíbo elas de fazerem isso, eu apenas olho com piedade. O coitado não enxergou que foi Deus que abençoou.
A entrevista continua…
28.6.04
ENTREVISTA COM INRI CRISTO – PARTE 4
O Mestre ameaça, com toda justiça, dar um golpe de karatê se não cessarem as perguntas cretinas feitas por nosso pouco instruído repórter
SEXO
Dentre as muitas durezas da vida de um símio, a mais triste é a ignorância.
Sim, porque ao invés de continuarem perquirindo o Mestre a respeito das questões filosóficas, históricas e espirituais que uma conversa minimamente inteligente com o Filho do Homem exigiria – tais como os métodos malignos de convencimento utilizados pelo impiedoso Bebê-Encosto, o destino do bonequinho de gesso que o INRI arrancara da cruz da igreja de Belém do Pará (teria sido ele guardado junto aos sagrados pertences do Messias como lembrança de data tão importante, ou teria sido apenas lançado à lata do lixo como uma reles bugiganga?) ou sobre serem ou não os anfíbios e os ornitorrincos seres dotados de alma -, os repórteres do Mundo Símio, ignorantes de pai e mãe, resolveram apoquentar o INRI com perguntas sobre sexo, esse assunto ultrapassado e sem graça.
É fato que a culpa não foi inteiramente nossa.
Logo que adentramos aos domínios do INRI, não pudemos deixar de notar que boa parte das devotas que vieram nos recepcionar não eram de se jogar fora. Especialmente em se tratando do caso deste famélico repórter, que, num cálculo sincero, está sem praticar esse pecado há pelo menos uns 5 anos – não por convicção religiosa e nem, muito menos, por falta de tentativa. A fome também é uma dureza dos diabos.
Antes da aparição do Mestre, fui obrigado a sussurrar de soslaio a Dom Gustavo que talvez fosse o caso de, após a sessão, convidarmos as freirinhas do INRI para tomar um drinque ou coisa parecida – embora nenhuma delas tenha dado o mínimo de espaço para tal, o que, cá pra nós, é coisa com que já estou acostumado. Perante o olhar de desprezo dele, tentei contornar a situação explicando-lhe que as moças eram bonitas, apesar das roupinhas, digamos, um tanto fora de moda, conforme se pode ver nas fotos que acompanharam o primeiro trecho da entrevista.
– O Mestre não é bobo – ele me respondeu secamente, sem dar maior importância.
Pois é. Foi daí que tivemos a infeliz idéia de perguntar ao INRI como é que funcionava essa história de sexo lá no templo dele. Afinal de contas, quem proíbe e limita a prática do sexo é aquele desgramado do Papa, sujeito com quem o INRI já cortou relações – e que, especulo eu, não perde por esperar, pois, ao que tudo indica, o Mestre está fechado com o Homem lá de cima.
Depois de termos ouvido as explicações do Mestre a respeito dos sábios princípios alimentares que inspiram Ele e seus seguidores (a velha história do peixe desalmado), cocei a cabeça e pus-me de cócoras feito um bugio a obrar, para então, naquela confortável posição, apreciar Dom Gustavo perguntar sutilmente ao Mestre se, entre eles, também haveria princípios sexuais a serem seguidos.
Tive a impressão de que, num primeiro momento, o Mestre não gostou muito da pergunta, a considerar a expressão de impaciência com que se apresentou a sua santa face. Tanto que Dom Gustavo, para se explicar melhor, em seguida observou que, assim como o ato de se alimentar de seres com alma (como o frango à passarinho ou a pizza de calabresa) pode, pelo menos em algumas culturas, ser considerado uma prática natural do homem, o mesmo poderia se dar com relação à prática do sexo – o que não é o meu caso, pois tudo leva a crer que isso, para mim, é coisa definitivamente proibida através de édito celestial assinado de próprio punho pelo Pai. Prosseguindo na exposição, Dom Gustavo ponderou que, se há princípios a serem seguidos para a alimentação, nada haveria de se estranhar se também os houvesse para o sexo.
Foi um debate bonito de ver, daqueles que instrui e faz pensar.
MS: Há, naturalmente, uma orientação, apesar de as pessoas serem livres. Mas assim como a orientação alimentar, há uma orientação sexual…
INRI: Eu entendi. Queres uma explicitação completa do sexo. O sexo, a princípio, é para fins procriativos. Então, fora disto ele pode gerar ódio. Podes odiar um homem que está morando com uma mulher porque estás apaixonado por ela, e alguém pode te odiar por tu estares morando com a mulher por quem ele está apaixonado. Há um leque enorme de paixões nas baixas esferas. Agora, como está implantado esse sistema na Terra, então eu não digo para ninguém deixar de fazer assim. Ao contrário, têm pessoas aí da igreja que pedem “mas INRI, como é que eu faço, eu queria viver como os seus discípulos…”, e aí eu digo “não, vocês não podem”.
Foi triste constatar que até os candidatos a viverem no templo do INRI têm, de longe, uma vida sexual muito mais interessante do que a minha, a ponto de lhe atrapalharem as convicções filosóficas. Definitivamente, o Pai do INRI dá asas a quem não sabe voar.
INRI: Existe uma pressão muito grande na atmosfera social, que não permite que uma pessoa deixe de praticar o sexo. Dá para entender? Os discípulos, depois de tomar consciência da lei divina, eu explico para eles que aqui dentro é proibido praticar sexo. Agora, do lado de fora do muro cada um pode fazer o que quiser.
Não sei, não. Mesmo sendo um profundo desconhecedor da lei divina, não há pressão social que dê jeito na minha necessidade.
MS: Mas o ascetismo vigora dentro desta organização que o senhor instituiu…
INRI: Não. Só entram discípulos, até porque seria uma coisa absurda… Porque discípulo é aquele que segue a disciplina. Você está proibida de praticar sexo? (perguntou o Mestre, se dirigindo a cada uma das duas discípulas presentes, que respondem, cada uma delas, com um sereno “não”).
Tive o ímpeto de perguntar ao Mestre se, por algum acaso, eu estaria proibido de praticar sexo, mas me segurei, porque, naquela altura, ainda estava botando alguma fé na idéia do drinque – e vai que Ele responde que eu estava.
INRI: E por que não pratica? (dirigiu-se Ele, novamente, às duas discípulas, ao que uma delas responde, com a anuência da outra: “porque descobri algo melhor”).
Quase perguntei a elas o que seria a tal “coisa melhor”, mas preferi deixar guardada essa carta na manga, como desculpa para a história do drinque depois da entrevista.
INRI: Então, se a pessoa não quer, não quer! Se pode comer banana e não comer feijão, se pode comer abacaxi e não comer melancia… Então, quer dizer: tu não quer, é diferente. Agora, sinceramente, tu achas que eu poderia manter dezenas de mulheres como eu tenho aqui comigo, sem elas praticarem sexo, sem elas… Não dá, se não fosse porque elas descobriram algo melhor que isso! A minha discípula mais antiga, ela tem 77 anos, ela está comigo há mais de 20… Manda ela vir, só um instante, para eles verem (em obediência ao Mestre, no ato uma das discípulas levanta-se e vai buscar a colega de 77 anos). Quanto aos meus discípulos… eu tenho discípulas e discípulos, mas para os homens é mais difícil, e mais difícil pelo seguinte: porque cobra-se dos homens que deve ser macho, que isso, que aquilo outro… e se não fizer isso, é isso e parará…
Fiquei um pouco mais esperançoso com a minha situação. Parecia que, no meu caso, o que estava faltando era cobrança. Só não consegui visualizar da parte de quem. Talvez fosse o caso de ir falar com minha pobre mãe, ela que tanto me cobrou para levar a sério os estudos – se bem que, nesse ponto, não teve muito êxito, a coitada.
INRI: E também a mulher tem uma facilidade maior para entrar na senda da espiritualidade, que já vem de longas gerações sofrendo, sujeita, porque a mulher está sujeita ao homem, então para não estar sujeita ela descobre a vontade de não praticar sexo. Agora, cada um é dono do seu nariz. Diga-se de passagem, eu sou o único que não sai sozinho. Meus discípulos vão para a rua, eles todos têm autorização assinada por mim andam sozinhos, eles têm autorização assinada por mim para andar como roupa civil, porque existe hostilidade, entende? Então eles vão lá e voltam… Eu não quero nunca que ninguém esteja aqui comigo preso por juramento. Fizeram juramento, sim, para ter proteção própria. Mas cada um faz o que bem entende.
Naquele momento, chegou a tal discípula de 77 anos, que cumprimenta e é cumprimentada por todos, mas não dá a mão, porque, como esclarece o Mestre, eles não têm o hábito de dar as mãos. Pelo que entendi da explicação, pareceu que era alguma coisa relacionada à economia de energia que flui pelo corpo, ou coisa do gênero. Eu, que dou a mão até para o mendigo que me pede esmola, achei estranho. Mas talvez seja esse o motivo pelo qual acordo cansado já pela manhã, especialmente nos dias em que preciso trabalhar.
INRI: Quantos anos você tem? (a discípula diz que vai fazer 77 em agosto). E há quantos anos está comigo? (23 anos, completados em maio, esclarece a discípula). Ela antes de me conhecer foi lá para Jerusalém, conhecer a minha sepultura lá – sepultura entre aspas -, foi para vários países. Ela conhece o Brasil todo, é profissional de marketing… Eu só queria que eles te conhecessem, tá bom? (o Mestre começa a despedir-se da discípula, que pergunta “eles estão fazendo entrevista?”, ao que o Mestre responde “sim, eles são aquele Mundo Símio…”). Ela estava comigo na catedral de Belém…
MS: E a senhora segue abdicou de profissão, de alguma coisa assim…
DISCÍPULA DE 77 ANOS (com forte sotaque nortista, e sem disfarçar o seu desagrado com a pergunta besta do repórter do Mundo Símio): Eu encontrei o filho de Deus, o que eu queria mais??? Fazer o que lá fora???
Praticar sexo é que não haveria de ser, pensei na hora.
Sei não. Certamente inspirado pelo Tinhoso, não consegui evitar um outro pensamento vão e pecaminoso – e, com absoluta certeza, por conta disso vou passar o resto da eternidade na churrasqueira particular do próprio Belzebu. Por que o Mestre, justo quando se falava sobre sexo, fez questão de trazer a véia de quase oitenta anos pra gente dar uma olhada? O Pai do INRI que me perdoe, mas fiquei com a impressão de que o Mestre quis dizer algo como: “Olha, é melhor parar com essa história de sexo. Eu sei que vocês estão perguntando isso por causa das meninas que vocês viram. Mas eu só apresentei elas a vocês porque quis ser educado. Vocês viram só o filé, mas tem o osso também. Ou vocês por acaso acham que eu traço essa véia?”. Maldito pensamento. Maldito, leviano e equivocado. Espero que Satanás pelo menos saiba contar algumas piadas enquanto churrasqueia seus condenados.
INRI: Ela enfrentou uma guerra jurídica para ficar comigo. A família dela quis interditá-la – e interditou-a! E ela teve que provar na Justiça, através de psiquiatria, que ela é sã (a discípula de 77 anos despede-se e sai).
Se a boa velha era sã, isso eu não posso afirmar, já que sanidade nunca foi o meu forte. Porém, ao saber que, por sugestão do delegado de polícia da região, os seguidores do INRI montavam guarda armados, de modo a evitar possíveis hostilidades vindas do lado de fora (coisa que, convenhamos, dada a ignorância geral que assola nosso mundo, não é de surpreender), achei que era ato de boa sanidade esquecer a idéia do drinque e, ao cabo da entrevista, despedi-me respeitosamente das freirinhas. Sem dar a mão, obviamente.
A entrevista continua…